RESUMO
O
artigo proposto faz uma investigação sobre o antropólogo francês Marcel Mauss e
algumas de suas obras. Figura chave para etnologia francesa, Marcel Mauss, vem
sendo alvo de inúmeras pesquisas científicas. Sua obra vem sendo retomada
depois de um período em que Mauss foi tachado de “não sistêmico”, devido a
abrangência de sua obra.
Depois
de uma breve análise de sua biografia, o artigo em questão, busca compreender
melhor suas obras “O Ensaio sobre a dádiva” e “As técnicas corporais”. Ambas
são obras de cunho antropológico, e é justamente neste ponto que concentramos
nossa pesquisa. A problemática a ser respondida é: As obras de Mauss, suas
concepções e estudos servem apenas à antropologia?
Em
nosso artigo pudemos concluir que suas contribuições vão além da antropologia,
essas contribuições perpassam pela história, sociologia, geografia, filosofia,
biologia, psicologia, entre outras áreas.
Palavras-chave: Marcel
Mauss, Ensaio sobre a dádiva, Antropologia
ABSTRACT
The proposed article makes a research on the French
anthropologist Marcel Mauss and some of his works. Key figure in French
ethnology, Marcel Mauss, has been the subject of numerous scientific studies.
His work has been resumed after a period in which Mauss was branded a
"non-systemic" because the scope of his work.
After a brief review of his biography, the article in
question, seeking to better understand their works "The Essay on the
gift" and "body techniques". Both are works of anthropological,
and it is precisely at this point that we focus our research. The issue to be
answered is: The works of Mauss, his concepts and studies serve only to
anthropology?
In our article we concluded that their contributions
go beyond anthropology, these contributions pervade the history, sociology,
geography, philosophy, biology, psychology, among other areas.
Keywords: Marcel Mauss, Essay on the gift, Anthropology
1- INTRODUÇÃO
O
presente artigo tem por objetivo analisar os fatos principais da biografia de
Marcel Mauss, bem como as suas principais obras com uma analise do Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca
nas sociedades arcaicas do ano de 1925, além de apresentar contribuições
de Mauss para a consolidação da antropologia enquanto ciência e também as suas
contribuições para a sociologia e analisar o papel de Marcel Mauss na história
da antropologia mundial.
Portanto
é clara a importância o estudo sobre a vida e obra de Mauss, pois além de ser
um antropólogo foi sociólogo, assim sua obra dialogou com diversas áreas do
conhecimento como psicologia, história, filosofia e fisiologia inaugurando uma
nova forma de se fazer a antropologia.
2-BIOGRAFIA
Descendente
de uma família hebraica Marcel Mauss nasceu em 10 de maio de 1872 em Épinal na
França, foi um sociólogo e antropólogo considerado o pai da etnologia francesa.
Seu trabalho foi marcante na área da sociologia e antropologia social, a qual
teve uma enorme influencia de seu tio Emile Durkheim. Marcel estudou filosofia
em Bordeaux, cidade onde seu tio lecionava, após isso mudou para Paris onde
estudou linguagem comparativa do sânscrito. Foi membro associado e editor da
revista Anné Sociologique
junto com outros grandes nomes franceses como, Henri
Hubert, Robert
Hertz, Maurice
Halbwachs alem de seu tio.
Já na vida acadêmica, ocupou diversos cargos
dentre eles professor de religião primitiva no ano de 1902 na Ecole Pratique
des Hautes Études. Fundou o Instituto de Etnologia da Universidade de Paris no
ano de 1925 e lecionou no Collège de France no período de 1931 a 1939, sendo responsável
pela formação etnólogos brilhantes, reafirmando o Collège de France como uma
das mais respeitadas escolas de antropólogos.
Mauss
era socialista, foi adepto dos os ideais de seu amigo Jean Léon Jaurès. Com 43
anos Mauss alistou-se na 1ª Guerra Mundial como voluntario, devido a sua idade
e sua competência em falar inglês foi soldado interno ficando na base militar,
no pós-guerra foi contra a fundação do Partido Comunista Frances e lutou para
que a imagem de seu amigo Jaurès não se apagasse no partido socialista francês
o qual Mauss foi militante, e chegando a ser redator do jornal Humanité
fundado pelo seu amigo.
Fazendo
um breve comentário de suas principais obras, em 1920 escreveu o texto “A
Nação” onde relata a experiência negativa e critica da guerra vivida por ele,
sendo nacionalista foi impulsionado pelo contexto histórico vivido. O
interessante dessa obra é que esta é uma das ultimas a serem descobertas, pois
estava perdida no meio de cartas deixadas pelo mesmo. No ano de 1925, Marcel
Mauss escreve sua mais brilhante e reconhecida obra “Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas”.
E finalizando suas principais obras escreve “As técnicas corporais” em 1934,
onde faz uma pesquisa bastante elaborada observando o corpo em diversas
culturas e fases da vida. Mauss escreveu inúmeras obras, as citadas aqui são a
de maior reconhecimento. Muito do seu trabalho vem sendo retomado hoje,
reafirmando Mauss como um dos pilares da antropologia francesa e mundial.
No fim de sua vida, Mauss defrontou-se com
diversos problemas pessoais, como casar-se tardiamente no ano de 1934, já com
62 anos. Esse fato evidencia a extrema dedicação política e acadêmica de Mauss,
deixando de lado alguns velhos preceitos de sua época, como casar ainda jovem.
Já próximo do fim de sua vida, Mauss dedica-se a
enfermagem, justamente devido o acidente de sua esposa que logo após o
casamento ficou doente e dentre outros motivos também por ter reunido glórias e
fracassos durante sua vida. Assim no dia 10 de fevereiro em Paris no ano de
1950 ele morre de causas não determinadas.
3-A
IMPORTÂNCIA DE SE ESTUDAR MAUSS
O estudo
da obra de Mauss vem se tornando “obrigatória” entre os antropólogos modernos.
Os temas abordados, em tais obras, são diversos, vão de análises sobre
corpo, troca, magia, noção de pessoa, noção de morte e tantos outras. Justamente por esta abrangência Mauss é
taxado de não ser sistêmico, o que pode se mostrar como um problema para um
pesquisador. Por outro lado é precisamente nessa abrangência que encontramos
sua grande importância.
Sobre a importância da obra de
Mauss, Aline Trigueiro diz:
A análise dos textos de Marcel Mauss constitui-se em
uma referência importante àqueles que buscam compreender como se conforma o
processo de interação entre o Indivíduo e a Sociedade, ou ainda, como o mundo
social, a partir de sua dimensão simbólica, é capaz de estruturar as práticas e
as representações sociais. O autor em destaque segue uma linha de pensamento
que tem por objetivo resgatar a percepção da totalidade, ressaltando a
preeminência da sociedade frente a uma corrente analítica na qual prepondera a
perspectiva individualista – aquela que concebe a sociedade como resultante,
apenas, da associação de indivíduos. [TRIGUEIRO, 2003, p. 9]
Essa abrangência de estudo de Marcel
Mauss fez com que sua importância se alastrasse não apenas pela antropologia,
mas também por outras áreas do conhecimento como a psicologia, história,
filosofia e linguística por exemplo. Essa busca pela compreensão da totalidade
fez com que Mauss dialoga-se com outras áreas do conhecimento. Em seu ensaio
“As técnicas corporais” Mauss apresenta um dialogo claro entre a biologia,
psicologia e sociologia. Mirela Berger
nos fala sobre isso, que ela classifica como Unidade Bio-Psíquica-Social do
Homem:
Mauss
empreenderá por volta de 1926 uma famosa discussão sobre as técnicas corporais,
tentando relacionar por um lado o fisiológico e o social, indivíduo e o grupo.
Esta discussão aparecerá em toda a discussão que ele faz sobre o corpo e depois
nos embates que ele travará com o culturalismo americano. [BERGER, 2007, p. 3]
Em “As técnicas corporais” somos apresentados a uma noção contrária ao
nosso sentimento de liberdade corporal. O que nos pode parecer uma manifestação
única e independente na verdade é algo a qual somos educados.
O corpo enquanto artefato cultural. Ele diz que as
ciências humanas deveriam olhar o modo pelo qual toda sociedade impõe ao
indivíduo um uso rigoroso do seu corpo. É por meio da educação das necessidades
e das atividades corporais que a estrutura social impõe sua marca sobre os
indivíduos. [BERGER, 2007, p. 3]
4-ANÁLISE
DA OBRA ENSAIO SOBRE A DÁDIVA
Aqui faremos uma análise sobre, o que para muitos
é a obra-prima de Mauss, o “Ensaio sobre a Dádiva”. Primeiro é necessário que
entendamos o que Mauss chama por dádiva.
Em uma análise simplista, a dádiva
seria troca, mas daí é necessário que se entenda troca de forma mais ampla,
tanto no sentido e quanto nos lugares onde se aplica, segundo Marcos Lanna:
[...] Mauss já definia a dádiva de modo amplo.
Esta inclui não só presentes como também visitas, festas comunhões, esmolas,
heranças, um sem-número de “prestações” enfim – prestações que podem ser
“totais” ou “agonisticas”. Creio ser fundamental notar como Mauss entendia até
mesmo os tributos como forma de dádiva. [LANNA, 200, p.175]
Em principio, para provar suas concepções sobre a
dádiva, Mauss vai assumir em seu trabalho o método comparativo, ou seja,
comparar diversas etnias e suas manifestações culturais, espirituais e
comerciais. Suas bases são a Polinésia, Melanésia e Noroeste americano. Para
aplicar, o que o próprio Mauss chama de “método de comparação rigoroso”, ele
vai fazer uso do trabalho de inúmeros outros antropólogos como Malinowski,
Franz Boas e A. R. Radcliffe-Brown. Ele vai utilizar-se da descrição feita por
esses de cada etnia para encaixar sua concepção de dádiva. Mauss não esteve
muitas vezes em pesquisa de campo, mas compensou isso tornando-se um brilhante
analista etnográfico.
No primeiro capítulo, intitulado “As dádivas
trocadas e a obrigação de as retribuir”, Mauss vai descrever, principalmente,
como algumas sociedades tribais da Polinésia lidam intra e entre si. Ele
demonstra que as dádivas vão atuar em todos os aspectos da vida dessas
sociedades. As dádivas acontecem entre homens de mesma etnia, homens de etnia
diferentes, homem e mulher, homem e sociedade, homem e “família”, homem e
natureza, e homem e deuses. Exemplificando, apresentamos a noção de Mauss sobre
a esmola:
A esmola é o fruto de uma noção moral da dádiva e
da fortuna, por um lado, e de uma noção de sacrifício, por outro. A liberdade é
obrigatória, porque Némesis vinga os pobres e os deuses do excesso de
felicidade e de riqueza de certos homens que delas se devem desfazer: é a velha
moral da dádiva transformada em principio de justiça. [MAUSS, 2002, p.76]
Mauss vai associar as dádivas ao que ele vai
chamar de contrato e explicar que
estes, por sua vez, vão acabar por gerar alianças.
A manutenção dessas alianças é justamente um dos motores da necessidade de
reciprocidade das dádivas. Muitas vezes, ou na maioria das vezes, a obrigação
da reciprocidade nem é notada, pois já está impregnada na cultura dos povos
analisados. Se para Mauss o nosso corpo é moldado para agir de acordo com as
determinações da sociedade (assunto a ser debatido posteriormente, neste mesmo
trabalho), aqui também a dádiva é doutrinada.
No segundo capítulo intitulado “Extensão deste
sistema. Liberidade, honra, moeda”, Mauss começa o texto destacando as regras
da generosidade entre os Andamans. Ele continua sua analise sobre as trocas e
destaca de diferentemente das sociedades modernas, ali o objetivo antes de tudo
é moral. Não é que não haja o caráter comercial nas relações analisadas por
Mauss. A concepção de moeda, por exemplo, vai sofrer critica por Malinowski,
reforçada recentemente por Marcos Lanna:
O próprio Mauss (1974, p. 75) nota que Malinowski
criticou, a meu ver corretamente, a sua concepção de moeda, pois esta
implicaria apenas a noção do meio de troca e não do padrão geral de valor. Isto
é, Mauss não parece ciente da especificidade da moeda capitalista, como um
“valor que se generaliza” de modo não hierárquico. Nas sociedades
não-capitalistas, os valores só se generalizam de modo hierárquico (sempre no
sentido de Dumont). Isto é, o valor de certos objetivos pode não ser no sentido
de sua generalização quantitativa, como padrão ou medida de troca. Por exemplo,
seu valor pode estar em uma capacidade emblemática para representar todo um clã
ou linhagem (caso das esteiras polinésias mencionadas por Mauss). Nesse caso,
tratam-se de valores “subjetivos e pessoais”, frequentemente inalienáveis. O
que distingue a moeda capitalista das “moedas” hierárquicas é que estas são
menos alienáveis. Claro que elas também não são totalmente inalienáveis, pois
por definição são passíveis de serem trocadas, apesar de essa troca ser sempre
cercada de proibições e condições (ocorrer só quando há um casamento real, por
exemplo). [LANNA, 200, p.181]
Mauss segue por todo segundo capítulo analisando
estas mesmas relações sobre as sociedades melanésias. Desta forma ela vai
estruturando seu sistema de dádivas. Demonstrando sua presença nas mais
variadas sociedades “primitivas” desta região. Até chegar à análise do caso do
Noroeste americano (Alaska e Colúmbia Britânica). Onde ele pondera sobre As três obrigações: dar, receber, retribuir.
Sobre a obrigação de dar, Mauss comenta:
A obrigação de dar é a essência do potlatch.[...]
Em todas essas sociedades as pessoas apressam-se a dar. Não há um instante que
ultrapasse o habitual, mesmo fora das solenidades e ajuntamentos de inverno,
onde não sejamos obrigados a convidar os nossos amigos, a partilhar com eles as
fortunas da caça ou da colheita que venham dos deuses e dos totens. [MAUSS,
2002, p.115-118]
Interessante notar que a obrigação de dar nasce
do fato do individuo ou grupo antes ter recebido a dádiva. A caça e a colheita,
no caso, são dádivas concedidas por deuses ou totens, daí a obrigação de
partilhar. Entramos assim na segunda obrigação, receber. Sobre esta obrigação,
Mauss diz:
A obrigação de receber não é menos
constrangedora. Não se tem o direito de recusar uma dádiva, de recusar o
potlach. Agir assim é manifestar que se tem medo de retribuir, é recear ser
rebaixado quando não se retribui. Na realidade é estar já
<<humilhado>>.[MAUSS, 2002, p.121]
A partir do momento em que você recebe a dádiva,
se vê diante da terceira obrigação, retribuir. Sobre isso, Mauss diz:
A obrigação de retribuir é todo o portlach [...]
normalmente, o portlach deve ser retribuído com juros, e mesmo qualquer dádiva
deve ser retribuída de forma acrescida. [...] A obrigação de retribuir
dignamente é imperativa. Perde-se a <<face>> para sempre se não se
retribuir, ou não se destruírem os valores equivalentes. [MAUSS, 2002, p.123]
A obrigação de retribuir vai criar o
ciclo das dádivas, pois assim se ira retribuir para alguém que deverá dar
receber e retribuir. No caso das dádivas oferecidas aos deuses, essas se dão na
forma de sacrifícios ou destruição.
Mauss
vai concluir essa primeira parte do seu trabalho dizendo:
O número, a extensão, a importância destes factos
autorizam-nos plenamente a conceber um regime que deve ter sido o de uma enorme
parte da humanidade durante uma fase muito longa de transição e que subsiste
ainda noutros lugares, que não apenas nos povos que acabamos de descrever.
Permitem-nos conceber que este principio de troca-dádiva deve ter sido o das
sociedades que ultrapassaram a fase de <<prestação total>> (de clã
a clã, e de família a família) e que no entanto ainda não chegaram ao contrato
individual puro, ao mercado onde corre o dinheiro, à venda propriamente dita e
sobretudo à noção de preço calculado em moeda pesada e titulada. [MAUSS, 2002,
p.141]
No terceiro capítulo denominado “Sobrevivência
destes princípios nos direitos antigos e nas economias antigas”, Mauss continua
sua análise da relação de dar e receber e como esses valores se perduraram para
as civilizações romana antiga, hindu, germânica e também um breve comentário sobre
os célticos e chineses.
No começo deste capitulo notamos como Mauss era brilhante,
observando o seguinte trecho (2002, p. 143) “[...] para medirmos o quanto as
nossas sociedades se afastam ou se aproximam destes gêneros de instituições a
que chamamos <<primitivas>>”.Mauss já se diferenciava de muitos de
sua época, ela já via as ditas sociedades primitivas não como o pitorescos o
inusitado, e sim como fontes históricas para se analisar o processo atual em
que estamos, ele dava valor a essas culturas pois era um modo de compreender a
evolução social ,e ao decorrer da obra ele quer demonstrar como nossos direitos
e economias surgiram a partir de instituições antigas.
E para isso ele utiliza do exemplo da sociedade
romana antiga onde o processo de dar e receber modificou-se como no caso do
Nexum,onde
a essência do contrato que é dar e receber se distanciou da dádiva das
sociedades primitivas .Também mostra a
troca como uma maneira de buscar o que não temos e que nos da prazer ou seja
a res,
e apresenta como a troca tem um ritual de transmissão de direitos sobre a mesma.
Após apresentar os dados Mauss faz um breve
comentário dos dados que ele apresentou, ele demonstra que a partir de
comparações que agora a essência da troca se perdeu, mas continua viva e é
necessário que haja coisa ou serviço para que haja dádiva e que a coisa ou serviço
o obriguem, assim a noção de direito modificou-se bruscamente a partir dos romanos,
não é dar e receber naturalmente e sim fazer para receber em troca, como
percebemos no trecho (2002, p.153) “[...]Tal como , nos direitos mais
primitivos, existe a dádiva , depois a dádiva retribuída, também a em direito
romano antigo o pôr em venda e depois o pagamento”. Ainda continuando seus
comentários ele apresenta a questão do furto, do julgamento, da compra e da
venda. Vemos em Mauss um homem que dialogou com diversas áreas da ciência não
só ficando na questão antropológica mais também no direito, na história e na
sociologia.
Depois Mauss apresenta noção de direito dos
hindus, que devido à falta de fontes esse direito foi mais teórico do que
prático, ele explica a chegada dos arianos na região dos Rios Ganges e do Indo,
e mostra como a lei da dádiva desapareceu e só sobreviveu com os brâmanes, que
para eles a coisa dada produz recompensas em outra vida, então tudo que se é
dado irá voltar ao doador como alimentos, ouro, vestuário e etc. A relação de
troca na sociedade hindu é muito complicada, pois o sistema de castas é um modo
de segregação dessa relação, pois de acordo com eles não se deve relacionar com
o inimigo e deve-se tomar todas as preocupações possíveis.
Continuando suas pesquisas, através do direito
germânico, que apesar de não deixar marcas muito antigas da sua relação de
troca, deixou uma herança de troca voluntária e forçosa que é extremamente importante.
A dádiva nessa sociedade não se restringia ao âmbito familiar, pois era através
da troca que se comunicavam ,ajudavam e relacionavam. Mauss mostra que ainda em
sua época ainda persistia na moral e na economia de aldeias alemãs uma
instituição extremamente importante conhecida como gaben,
que acontecia geralmente em casamentos. Também ressaltou como os germânicos
viam perigo na coisa dada ou transmitida, visto que o mesmo termo que significa
dádiva na língua germânica significa veneno.
Concluindo seu terceiro capítulo e sua análise
das sociedades antigas e seus direitos ele demonstra que na sociedade atual
chinesa sobreviveu um pouco dessas noções de direito e troca, visto que até
hoje eles reconhecem o vinculo da coisa com o proprietário original. É
importante lembrar que Mauss escreveu o livro durante o começo do sec. XIX, os
valores de sua época eram diferentes do de hoje, se os costumes aqui retratados
não estão totalmente presentes, ainda sim a sua essência sobrevive nos tempos
atuais.
Por fim seu quarto capítulo são suas conclusões,
primeiramente sobre a moral, que evidenciam o seu lado socialista, pois ele faz
diversas comparações do passado com o presente, ele deixa subentendido em sua
obra que valores básicos do dar e receber sem ser visto como obrigação deve
retornar, ou seja, devemos resgatar a moral do passado,que foi perdido na
sociedade capitalista em que ele vivia, o que é evidenciado no seguinte trecho (2002,
p.175) “[...] Uma parte considerável de nossa moral e da nossa própria vida
permanece sempre nessa atmosfera da dádiva, da obrigação e de liberdade.
Felizmente nem tudo está tudo classificado em termos de compra e venda”.
Observamos que Mauss se contenta em ver que nem todos os valores da sociedade
primitiva foram esquecidos, já que a sociedade liberal que ele vivia trazia a
perca desses valores.
Mauss pode ser considerado um homem de visão além
comum, pois já via a decadência do homem e de valores que hoje na
pós-modernidade é amplamente discutido como a individualização, perca de valores
básicos e etc.
Depois ele apresenta as conclusões de sociologia
econômica e de economia política que em sua visão através da analise do passado
pode sem aplicar aos valores econômicos vigentes em sua época, o que demonstra
como Mauss era visionário, mesmo escrevendo sua obra no sec. XX ele buscava no
passado uma maneira de entender e melhorar o seu presente.
E por fim a conclusão de sociologia geral e
moral, onde ele afirma que os fatos estudados em seu livro são todos fatos
sociais totais, e ele ainda diz que a análise de seus estudos poderiam ser mais
profundas, porém ele afirma que caberia melhor aos etnógrafos e historiadores
analisar esses seus objetos de investigação juntamente com outras áreas da
ciência como a psicologia .Todos os estudos ele
considerou necessário estudar os
fatos sociais , pois só assim pode se entender como os homens tomam consciência
de si próprio na sociedade.
5-ÁS TÉCNICAS
CORPORAIS
O livro “As técnicas corporais”, foi escrito em 1934, é uma pesquisa
bastante elaborada em que Mauss observa o corpo humano em diversas culturas e
fases da vida, obra é dividida em quatro capítulos sendo um grande marco de sua
antropologia.
No primeiro capítulo, para o antropólogo Marcel Mauss, as técnicas
corporais são compreendidas das maneiras como os homens, sociedade por
sociedade utilizam seus corpos. Este por ser etnólogo tinha esta sensibilidade
de detectar nos jeitos das pessoas uma diferenciação de uma das outras. Eis ai
a evidência da técnica, como um giro de mão é lentamente aprendido.
Toda técnica propriamente dita tem sua forma. O mesmo acontece como
nosso corpo, e cada sociedade têm seu estilo próprio. Observar-se que Marcel
Mauss tinha um olhar clinico para os detalhes, as sutilezas, os movimentos, que
caracterizam cada ser e cada sociedade.
Uma narrativa por ele
observada nos hábitos foram nas crianças, que quando estas ao se sentarem
à mesa, este era capaz de identificar
suas origens pelo modo de destas agirem. Quando uma criança inglesa senta à
mesa e esta não comendo, fica com as mãos nos joelhos, e quando está comendo,
coloca os cotovelos junto ao corpo, já as francesas colocam os cotovelos na
mesa abertos, pois não sabe se dominar e o habito as tornaram assim.
Estes hábitos não variam
simplesmente com os indivíduos e suas imitações, mas com as sociedades, as
educações, as conveniências e as modas.
Um fato importante observado sobre a arte de utilizar o corpo
humano, as crianças em especial tem uma capacidade muito grande de imitar, bem
como os adultos apesar de sua consciência, também imitam coisas que tiveram
êxito e confiam serem bons para eles também.
Marcel Mauss, como observador continuo dos hábitos, pôde
descrever todos os sentidos técnicos, atos físicos e atos mágico-religioso, e
viu nestes a necessidade da divisão destes atos para técnicas, chegando então
as técnicas corporais,segundo Marcel Mauss, o corpo é o primeiro e o mais natural
instrumento do homem, o primeiro e natural objeto técnico.
Em
seu segundo capítulo, princípios de classificação das técnicas corporais,
Marcel Mauss apresenta que as noções de técnicas corporais que se dividem e
variam por sexo e idade, diversificando através de inúmeros exemplos, também
apresenta que as técnicas corporais podem ser adquiridas através de treinamento
e finaliza concretizando que as mesmas tem diversas formas de transmissão desde
cultural até educacional.
Primeiro
ele explicita a divisão das técnicas corporais entre os sexos, utiliza do modo
como os homens e mulheres fecham o punho como exemplo, o homem costuma cerrar o
punho com o polegar pra fora, já a mulher costuma cerrar com o polegar para
dentro, dentre os motivos que ele explica esse fato, é que a mulher não é
criada para a briga, e ainda mostra como a mulher é mais fraca nas questões que
envolvem força em geral. Para ele existe a sociedade dos homens e das mulheres,
assim talvez seja por uma questão biológica as mesmas serem mais fracas, e
finalizando Mauss deixa uma observação que para um estudo mais profundo, seria
necessária colaboração de diversas áreas do conhecimento como a psicologia,
fisiologia e sociologia. Nota-se nesse capitulo certo machismo por parte de
Mauss, porém baseado no contexto e época em que o livro foi escrito, esse
machismo não passa de um comportamento normal.
Segundo
ele mostra as variações corporais de acordo com a idade, em seu exemplo mostra
a habilidade das crianças de acocora-se, que é sentar sobre os calcanhares, os
adultos europeus já não sabem como fazer isso, porém esse comportamento é algo
cultural, ele mostra através de experiência pessoal, que os australianos
brancos quando descansavam punhavam-se sobre os calcanhares, assim tinham uma
vantagem sobre Mauss que tinha que ficar com os pés na lama. Esse modo de agir
em certas épocas fora considerado um defeito dos membros inferiores, porém o
que os europeus consideravam como um modo hereditário, na verdade é de ordem
fisiológica cultural e sociológica. Observa-se assim nesse capítulo que Mauss,
apesar de viver em uma época em que o etnocentrismo estava em alta, ele já
detinha uma visão mais humana que os demais.
Depois
Mauss mostra que as técnicas corporais podem ter relações com o rendimento, ou
seja, exemplifica que o treinamento de montar uma máquina nada mais é que uma
busca de um rendimento, esse processo de ensino foi passado de homem pra homem
e para os seus filhos voluntariamente, através do que ele chama de normas
humanas do treinamento humano.
E
por ultimo mostra como é a transmissão da forma das técnicas, para Mauss esse é
um novo campo de estudos, pois é necessário se observar e fazer o que compõe a
educação do corpo de todas as idades e sexos. O exemplo que ele utiliza é de
como reconhecer um muçulmano piedoso, mostrando que ele fará o possível e
impossível para não servir-se com a mão direita, e nem tocar a comida com a mão
esquerda. Para saber o porquê dele fazer isso, Mauss diz que não é a fisiologia
nem a psicologia que vão dizer e sim que é um modo cultural do como
impuseram-lhe certas tradições.Finalizando diz que é extremamente importante
estudar a modos de treinamento e de imitação em geral.
Apesar
de ser um breve capítulo Mauss demonstrou como o modo comportamental humano é
influenciável, não só biologicamente, mas também através da idade e das
tradições a qual nos vivemos, nós somos simplesmente frutos do treinamento em
nossa sociedade, valores que são transmitidos de gerações em gerações.
Em
seu terceiro capítulo de As Técnicas Corporais (1934), Marcel Mauss, nos
apresenta os tipos de técnicas corporais humanas, suas distinções e variações
de acordo com a sociedade a qual pertencem. Seguindo uma lógica, em busca de
facilitar a didática, Mauss enumera e classifica as técnicas pautado pelas
fases etárias da existência humana, ou seja, do seu nascimento até a fase
adulta. Interessante notar aqui sua
herança positivista, usando das ciências biológicas e de saúde para explicar as
ciências humanas.
Abaixo iremos fazer um resumo das considerações
de Mauss sobre as técnicas corporais seguindo a ordem por este proposta:
1. Técnicas
do nascimento e da obstetrícia: primeiramente temos uma breve constatação de
como a forma dos partos pode variar de cultura para cultura. Temos como exemplo
no próprio texto, o parto ereto (comum em algumas regiões da Índia) e o parto
deitado sobre as costas (mais usuais em sociedades modernas). Um fato
interessante é notar em Maussum certo relativismo cultural, ao menos quanto as
técnicas corporais. Neste trecho do texto ele mesmo nos alerta que o fato de
não nos identificarmos com uma forma de parto, por exemplo, não torna a nossa
maneira mais normal que as demais.
2. Técnicas
da infância – Criação e alimentação da criança: Maus começa suas considerações
nos apresentando a importância do transporte das crianças. Ele exemplifica o
caso de crianças que são carregadas por suas mães durante dois ou três anos. O
contato maior com a mãe e a ginástica (que se tornará essencial para sua
sobrevivência) irão criar um estado psíquico não existente em crianças não
carregadas. Mauss continua sua análise sobre a infância relatando a importância
da amamentação como controle da reprodução. Ele também levanta a questão das
crianças criadas com berço e sem. Finalmente ele chega as considerações sobre
um momento de maior independência destes indivíduos, o desmame. Agora a criança
sabe se alimentar e é educada quanto a andar, exercitar a visão, audição,
ritmo... Interessante é a constatação de Mauss de como se dá esse processo de
aprendizagem. Ele explica que na maioria das vezes essa educação do corpo e
gestuais se dará através da dança e música.
3. Técnicas
da Adolescência: Para Mauss esse é o período de mais importante quanto à
educação do corpo. Segundo Mauss é nesse momento que os indivíduos irão
aprender as técnicas corporais que conservarão por toda a vida.
4. Técnicas
da idade adulta
4.1. Técnicas
de sono: Aqui ele enumera as formas como algumas sociedades lhe dão com o sono.
Povos de esteira e sem esteira, que usam travesseiro e sem travesseiro, que
dormem próximo ao fogo ou que não necessitam de fogo, o dormir em pé ou a
cavalo.... São inúmeras as formas de sono. Elas variam de acordo com as
necessidades de cada sociedade. Mauss ainda nos lembra de como essas variações
exercem influencia e efeitos sobre a biologia dos homens.
4.2. Vigília
– Técnicas de repouso: Sobre as formas de repouso Mauss nos apresenta uma
infinidade de formas. Ele ainda se utiliza da visão de Graebner, separando as
sociedades acima do 15⁰ grau de latitude das
demais. Aqui podemos notar um fascínio pelo inusitado, pois há uma ênfase sobre
certos povos habitantes da África niólitica e uma parte da região de Tchad, até
Tanganica. Esses homens fazem o repouso em pé, apoiados apenas por uma das
pernas. A explicação encontrada por Mauss é a de que isso se dá pela
necessidade de sentinela e função de pastor.
4.3. Técnicas
da atividade, do movimento: As técnicas citadas por Mauss são as seguintes:
4.3.1. Andar
4.3.2. Corrida
4.3.3. Dança
4.3.4. Escalar
4.3.5. Natação
4.3.6. Movimentos
de força
4.3.7. Segurar
4.4. Técnicas
de cuidados corporais:
4.4.1. Esfregamento
e lavagem: Uma curiosidade é que aqui Mauss cita os indígenas brasileiros que
se utilizavam de pau-brasil para limpeza.
4.4.2. Cuidados
da boca – Técnicas de tossir e de cuspir
4.4.3. Higiene
das necessidades naturais
4.5. Técnicas
do consumo
4.5.1. Comer
4.5.2. Ausência
do uso da faca
4.5.3. Beber
4.6. Técnicas
de reprodução: Neste ponto além da técnica em si Mauss nos coloca frente a uma
moral sexual que irá ajudar a reger a
ação.
4.7. Técnicas
dos cuidados, do anormal.
Depois
de apresentar todas essas técnicas, Mauss finalmente encerra este capítulo
partindo para as considerações finais.
Em
suas considerações finais, Marcel Mauss nos fala como e porque acontecem os
atos sociais. São praticados (os atos sociais), pelo indivíduo, para a
autoridade social. Enfatiza que, embora na sociedade haja ordem e disciplina,
também nessa mesma sociedade temos estupidez e anormalidades. Para Mauss os
fatos psicológicos, através da disciplina formam os atos sociais.
Mauss
segue o viés etnológico da comparação entre as raças e povos através da suas
possibilidades psíquicas. Em todas as culturas, a educação e a disciplina são
os fatores de adaptação determinantes dos corpos ás suas devidas aplicações na
sociedade. Esse princípio de educação, disciplina, raciocínio, leva ao conceito
de “sangue frio”, e é utilizado para classificar e separar as sociedades em
“avançadas e/ou “primitivas”, para Mauss as sociedades ditas primitivas
apresenta reações mais emocionais, em sua vida social e mental, ao contrário
das sociedades avançadas que são racionais. As questões de técnicas corporais,
da respiração em partículas (o ioga praticado na China e Índia), também recebe
importância e ênfase, do sociólogo Mauss, como importantes em reflexoterapia,
para se compreender novos fatos.
6-CONCLUSÃO
Neste pequeno artigo, buscamos analisar a vida e
parte da obra de Marcel Mauss. Sua obra em si, mostrou-se bastante vasta e
profunda, resultado de uma vida bastante dedicada as ciências, em forma geral.
As análises presentes no “Ensaio sobre a Dádiva”
nos colocam diante de sociedades que adotam sistemas de troca que podem revelar
o passado das sociedades modernas. As generalizações se mostram muitas vezes
perigosas, então nem mesmo Mauss afirmar ser esse o sistema presente
anteriormente em todas as sociedades. Os indícios são fortes o suficiente para
que sua teoria seja aceita.
Em “As técnicas corporais”, Mauss nos colocou
diante de algo pouco estudado em sua época. Ele nos mostra que nossas
expressões corporais, em boa parte, nos são impostas através da moral social. O
corpo, neste sentido, não seria apenas pessoal, mas social, já que este irá
demonstrar e expressar valores da sociedade que o doutrinou.
Finalmente podemos pensar sobre as contribuições
de Mauss para com as ciências humanas. E estas são ilimitadas, ou ao menos
ainda não se tem dimensão dos seus limites. Mauss hoje é alvo de intensos
estudos por parte de antropólogos e sociólogos, mas têm suas contribuições nas
mais diversas áreas. Suas noções de moral nas sociedades tribais pode ser alvo
da análise de na filosofia, suas descrições destas mesmas comunidades tanto
servem de material para geografia, quanto pra história e sociologia além da
própria psicologia, a qual Mauss demonstrava um extremo fascínio.
7-Referências
BIBLIOGRÁFICAS
MAUSS,
Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa:
Edições 70, 2002. 200p
BRUMANA,
Fernando Giobelina. Antropologia dos
Sentidos: introdução às ideias de Marcel Mauss. São Paulo: Editora
Brasiliense S. A., 1983. 104 p.
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