RESUMO: O presente artigo tem como
objetivo explicitar, através de pesquisa bibliográfica, como era a sociedade brasileira
do século XIX e de que maneira a mulher vivia e era educada. Destacamos também que o período foi marcado por intensas mudanças sociais e econômicas,
que trouxe como consequência a consolidação do capitalismo,a modernização da das
cidades, e principalmente desencadeou um espírito de luta e igualdade social nas mulheres, que buscavam
seu espaço na sociedade. Nessa busca, a
mulher encontrou uma nova atividade que deu abertura para sua introdução em
outros mercados, o magistério, que foi a porta de entrada da mulher na
sociedade.
PALAVRAS-CHAVE: mulheres; século XIX; educação.
ABSTRACT: This article aims to explain, through a literature review, as was the
nineteenth-century Brazilian society and how women lived and was educated. We
also note that the period was marked by intense social and economic changes,
which consequently brought the consolidation of capitalism, modernization of
the cities, and especially triggered a fighting spirit and social equality for
women, seeking their place in society. In this search, the woman found a new
activity that gave opening for its introduction in other markets, the
magisterium, which was the entrance of women in society.
KEYWORDS: women; nineteenth century; education.
INTRODUÇÃO
O século
XIX juntamente com a Proclamação da República foi marcado por várias
transformações sociais e econômicas trazendo consigo a consolidação do
capitalismo e a modernização das cidades. A urbanização e o desenvolvimento
comercial e industrial começava a exigir da mulher sua participação na vida
pública e no mundo do trabalho, mas ao mesmo tempo essa época pregava uma
representação simbólica da mulher em que esta deveria se restringir ao ambiente
familiar e estar desobrigada de qualquer trabalho produtivo, dependendo da
mulher burguesa o sucesso da família, onde submetida à opinião pública, ela
tinha que aprender a se comportar em público e a conviver de maneira educada
nos locais em que frequentava. Sobre as transformações do século XIX D’IMACO relata:
Durante o século XIX a sociedade brasileira sofreu uma série de
transformações: a consolidação do capitalismo; o incremento de uma vida urbana
que oferecia novas alternativas de convivência social; a ascensão da burguesia
e o surgimento de uma nova mentalidade. (D’Imaco,2011,p.223)
No
intuito de mostrar como a mulher se transformou no século XIX, procuramos
através de pesquisas bibliográficas, observar o renascimento de uma nova
mulher, marcada pela valorização da intimidade e da maternidade. Baseado em um
ambiente familiar acolhedor, de filhos educados, esposas dedicadas. Ressaltamos
também a transformação da educação que antes restringia-se a determinada classe
social, e ao final do século já atingia uma parte mais abrangente da sociedade,
ocorrendo até mesmo a introdução da mulher no âmbito educacional.
VIDA
SOCIAL
Inserida
numa sociedade fundamentada no patriarcado[1],
a mulher era excluída de participação na sociedade, não sendo considerada
cidadã política, pois mesmo a mulher da elite com certo grau de instrução
estava restrita ao espaço privado. Sobre a questão da mulher na sociedade
patriarcal BEAUVOIR, 1970, p.213 afirma que; “A magia feminina foi
profundamente domesticada dentro da família patriarcal.”
O
machismo perdurou por várias décadas, não permitindo o sexo feminino liberar
seu lado profissional. Mas, todas as transformações sociais e econômicas da
Europa acabaram afetando o mundo, dando origem aos movimentos socialistas e
feministas e fazendo surgir uma nova mulher. O Brasil foi atingido mais
lentamente, mas as ideias europeias acabaram afetando a mulher brasileira e
desencadeando nelas um espírito de luta e igualdade social, pois as
reivindicações das mulheres para alcançar o seu espaço data deste século. Desse
período podemos destacar Nísia Floresta, uma das grandes escritoras do século
XIX que lutou incansavelmente pelos seus direitos e pelos direitos de uma
minoria que foram apagadas da história da literatura brasileira, sendo
considerada a primeira feminista do Brasil. Uma mulher que seguiu essa linha e
lutou por seus direitos enfrentando os preconceitos da sociedade da época foi,
Nísia Floresta. Republicana e abolicionista escreveu em jornais do Rio de
Janeiro, onde suas ideias provocaram polêmicas. Usou da escrita para
reivindicar igualdade e educação, publicou vários livros nos quais sua
preocupação primeira era com a educação. Exortava que a situação de ignorância
em que a mulher vivia era responsável pelas dificuldades que encontrava na vida
e que só a educação era capaz de mudar as consciências e a vida material dessas
mulheres. Sobre Nísia Floresta louro ressalta:
Nísia
Floresta, uma voz feminina revolucionária, denunciava a condição submetimento
em que viviam as mulheres no Brasil e reivindicavam sua emancipação, elegendo a
educação como o instrumento através do qual essa meta seria alcançada. (LOURO,2011,p.443)
Toda essa pressão desempenhada acerca do
comportamento feminino atingia também as camadas populares e as mulheres que
precisavam trabalhar enfrentaram todo tipo de preconceito e dificuldades para
ter acesso a uma profissão, já que o discurso moralista pregava que a
participação das mulheres no mercado de trabalho seria um "pecado",
afirmando que elas abandonariam o lar, os filhos e o marido, sendo mal vistas
pela sociedade.
EDUCAÇÃO
A
concepção da sociedade da época era de que as "mulheres deveriam ser mais
educadas do que instruídas", haja vista, elas não precisariam de
conhecimentos ou informações, mas sim de formação moral e bons princípios, já
que o seu destino era o de esposa, mãe e dona de casa, sendo o seu atributo social
de educadora dos filhos, ou melhor, de responsável pela formação de dignos
cidadãos. Segundo Louro, isso pode ser percebido na primeira lei de instrução
pública do Brasil, de 1827, citada por Lopes (1991, p.4):
As mulheres carecem tanto mais de instrução, porquanto são elas que dão a primeira educação aos seus filhos, São elas que fazem os homens bons e maus; são as origens das grandes desordens, como dos grandes bens; os homens moldam a sua conduta aos sentimentos delas. (LOURO, 2011, p.447)
O século XIX
trouxe a modernização da sociedade e junto com ela a necessidade de uma
educação para as mulheres, vinculando-se o trabalho à ordem e ao progresso e a
modernização da sociedade à construção da cidadania dos jovens. Às mulheres das
classes populares caberia a tarefa de construir um lar sem perturbações e
distúrbios, cabendo a elas controlar seus homens e formar os novos
trabalhadores e trabalhadoras do país. A formação cristã era questão essencial
na educação das mulheres, assim sendo estas buscariam constantemente a
perfeição moral, a pureza feminina e se prontificariam a dedicar-se à.
Devido ao contexto social em que as mulheres
estavam inseridas o acesso delas à educação era bem restrito. Apenas algumas
mulheres da elite conseguiam estudar através de professoras particulares
contratadas pelos pais para dar aula em suas próprias casas. Elas sempre foram
educadas para o serviço doméstico, não sendo permitida a mulher exercer outra
função, o trabalho era sinônimo de homem, mulher não podia ou eles achavam que
elas não eram capazes de desenvolver outra atividade a não ser cuidar da casa e
dos filhos. A Educação das mulheres se restringia a atividades que fossem úteis
ao ambiente doméstico, desprovidas de valor no mercado de trabalho da época,
como costurar, aprender música ou desenvolver habilidades artísticas. LOURO descreve
como era a educação para as moças da elite:
Para as filhas dos grupos sociais
privilegiados, o ensino da leitura, da escrita e das noções básicas da
matemática era geralmente complementado pelo aprendizado do piano e do francês
que na maior parte das vezes era ministrado em suas próprias casas por
professoras particulares, ou em escolas religiosas.As habilidades com a agulha,
os bordados , as renda , as habilidades culinárias, bem como as habilidades de
mando das criadas e serviçais,também faziam parte da educação das moças;
acrescidas de elementos que pudessem torna-las não apenas uma companhia mais
agradável ao marido, mas também uma mulher capaz de bem representa-lo
socialmente.o domínio da casa era claramente o seu destino e para esse domínio
as moças deviam estar plenamente preparadas.(LOURO,2011,p.446)
Um pouco
mais tarde a educação foi ampliada, sendo criadas escolas normais permitindo à
mulher brasileira ter mais acesso à educação, e estas tentaram através da instrução
participar da vida pública atuando mais na sociedade, seja através da política
ou da escrita.
Guacira
Lopes Louro esclarece que a legislação de 1827 determinava que houvesse
"escolas de primeiras letras", em todas as cidades, vilas e lugarejos
mais populosos do Império. Essas escolas consistiam em ensinar a ler e escrever
e transmitir o conhecimento das quatro operações. Mas numa sociedade
escravocrata e predominantemente rural a realidade era bem diferente, já que os
coronéis, que eram os políticos que governavam as cidades não tinham interesse
algum que a população tivesse acesso a alguma instrução. De acordo com LOURO:
Latifundiários e coronéis teciam as tramas políticas e silenciavam
agregados, mulheres e crianças, os arranjos sociais se faziam, na maior parte
das vezes, por acordos tácitos, pelo submetimento ou pela palavra empenhada. .(LOURO,2011,p.444)
Ma as
escolas que existiam eram em número muito pequeno, e foram fundadas por congregações e ordens religiosas
masculinas ou femininas, sendo em um maior número para meninos.Haviam também
escolas mantidas por leigos, com professoras para as classes das meninas e
professores para as classes dos meninos. Além de ensinar as "primeiras
letras" a doutrina cristã também fazia parte dos conteúdos de ambos os
sexos, sendo que algumas diferenças se apresentavam, os meninos receberiam aula
de geometria e as meninas, bordado e costura.
É importante destacar que o contexto social em
que a lei foi promulgada não dava acesso universal a toda população à educação.
Predominava neste contexto o escravismo
e o preconceito racial, havendo divisões de classe, etnia, raça e religião. Às crianças
negras eram negadas qualquer forma de escolarização, acontecendo o mesmo com os
descendentes indígenas. Quanto aos trabalhadores livres, suas práticas
educativas eram diferentes e construíam escolas para meninos e meninas, com o
auxílio próprio de suas regiões de origem. Já às meninas, das camadas populares se dedicavam ao trabalho
doméstico, da roça e aos cuidados com irmãos menores, deixando de lado a
educação escolarizada. Algumas órfãs eram educadas por ordens religiosas
femininas, que tinham a intenção de preservá-las de qualquer vício e do mau
caminho. As meninas filhas das elites privilegiadas, como já foi citado acima tinham além das noções básicas da leitura e da
escrita, aulas de piano e de francês que eram ministradas em suas próprias casas
por professoras particulares ou em escolas religiosas.
TRABALHO
Mas para
a introdução de um número maior de mulheres no âmbito educacional era
necessária a implantação de escolas de preparação de professores e professoras,
pois havia um abandono geral da educação desde o início do Império, consequência
da falta de mestres e mestras que
atuassem nessa área.Na tentativa de resolver o problema criou-se as Escolas
Normais [2]
para formação de docentes. Apesar de serem abertas instituições para ambos os
sexos obedecendo ao regulamento de que moças e rapazes deveriam estudar em
classes separadas, verificava-se que as Escolas Normais estavam recebendo mais
mulheres do que homens em várias regiões do Brasil e até em outros países, fato
ligado provavelmente à urbanização e à industrialização que ampliava as
oportunidades de trabalho para os homens.
Todavia, a
mulher era tão marginalizada socialmente que a sua identificação com a
atividade docente gerou muitas críticas e polêmicas, chegando-se a ser
considerado um mal, um perigo, entregar a educação das crianças a mulheres
inexperientes. Por outro lado surgiam argumentos de defesa ao lado feminino
afirmando-se que se a principal vocação da mulher era a maternidade, nada mais
adequado para esta do que o magistério, que era tido como uma "extensão da
maternidade", representado como uma atividade de amor entrega e doação. Apesar
desse discurso em favor das mulheres, o trabalho feminino no século XIX não era
visto com bons olhos. Pois sendo considerado o sexo frágil, era preciso tomar
muito cuidado para que sua profissionalização não se chocasse com sua
feminilidade e não afastasse a mulher da vida familiar e dos deveres
domésticos, afinal tudo que levasse as mulheres a se afastarem desse caminho
era considerado um desvio de norma. Nesse sentido o magistério parecia o mais
adequado para as mulheres, pois era um trabalho de "um só turno", o
que permitia que elas atendessem também suas atividades domésticas. Este argumento também serviu para justificar o salário reduzido que as
professoras recebiam.
Ao longo
do tempo as instituições de ensino se ampliaram para atender à demanda de
tantas mulheres que procuravam se profissionalizar no magistério. Foram criadas
escolas normais públicas, colégios normais religiosos, internatos particulares,
escolas laicas ou de orientação religiosa, além de cursos em diversas cidades.
O perfil da estudante também foi alargado, sendo essas instituições
frequentadas por moças de origens sociais diversas. É importante lembrar também
que embora o currículo tenha sofrido alterações apresentando disciplinas novas,
algumas ainda ficaram restritas aos homens, como a geometria, e outras
permaneciam fazendo parte do currículo feminino, como o cultivo de habilidades
manuais e estéticas, incluindo-se também economia doméstica. Procurava-se
vincular a educação escolar à educação do lar, e com isso as mulheres seriam
incentivadas a cursar o magistério, haja vista estariam se preparando para ser
professora e também para a função doméstica e maternal.
De acordo
com um relato de 1873,citado por Louro,2011,p.456, que se referia a uma Escola
Normal da época eram cobradas algumas exigências como: saber ler, escrever e
contar, não ter menos de 16 anos de idade, ter bons costumes e não sofrer de
moléstia contagiosa, além de ser de extrema importância ter uma "sólida
formação moral", que só era conseguida com uma boa orientação religiosa. Tudo
isso fazia parte do regulamento de admissão de estudantes, fato que demonstrava
a identificação de moral e bons costumes com religião, mais propriamente a
católica, que era a religião oficial do Império.
Ainda que
o magistério ao longo do tempo tenha adquirido a função de um trabalho digno
para as mulheres, o trabalho feminino no século XIX ainda apresentava uma
incompatibilidade com o casamento. Esse fato gerava solidão para algumas
mulheres, mas ao mesmo tempo dava certa autonomia rompendo estas com questões consideradas
masculinas como ações políticas e sociais, já que, mantendo o seu próprio
sustento poderiam usufruir de algumas prerrogativas masculinas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de
terem conquistado um pouco mais de autonomia e participação na sociedade, no
século XIX, as mulheres ainda permaneciam submetidas à autoridade masculina. Isso
perdurou por muitos anos e ainda perdura, mas com menos intensidade. Ao longo
do século XIX até os dias atuai, a mulher superou várias barreiras, lutou por seus
direitos com discursos discordantes, construiu resistências, conseguiu se
inserir no mercado de trabalho competindo com os homens profissionalmente e se
integrou à política. No entanto, ainda é vista por muitos através de um
discurso machista como um sexo frágil, como um objeto que apenas está no mundo
afim de satisfazer suas vontades, um ser
inferior ao homem que tem os seus limites definidos dentro da própria
sociedade.
REFERÊNCIAS:
D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2011.
D’INCAO, Maria Ângela. Mulher e família burguesa. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2011.
FALCI,
Miridan Knox. Mulheres do sertão
nordestino. In: DEL PRIORE, Mary (org.). História
das Mulheres no Brasil. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2011.
LOURO,
Guacira Lopes. Mulheres na sala de aula.
In: DEL PRIORE, Mary (org.). História das Mulheres no Brasil. 10. ed.
São Paulo: Contexto, 2011.
BEAUVOIR,Simone
de .O segundo sexo. 4. ed. São
Paulo:Difusão Europeia de livros.1970.
TANURI, Leonor Maria. Contribuição
para o estudo da Escola Normal no Brasil. Pesquisa e planejamento. São
Paulo, v.13, dez.1970, p. 7-98
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda.Mini Aurélio: século XXI escolar. ed. Brasília:Nova Fronteira.2001.
[1]Patriarcado: Regime social em que
o pai é a autoridade máxima.(FERREIRA,2001,p.519)
[2] Escola Normal: A primeira Escola
Normal brasileira foi criada em Niterói, Rio de Janeiro, no ano de 1835. O
Curso Normal criado em 1835 tinha o objetivo de formar professores para atuarem
no magistério de ensino primário e era oferecido em cursos públicos de nível
secundário (hoje Ensino Médio). (TANURI,1970,p.13).
Por: Ana Paula Teixeira.
Por: Ana Paula Teixeira.
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